sexta-feira, 15 de maio de 2009

o que me contam por aqui...

a semana passada, enquanto a ginga do eléctrico embalava os 20 minutos que faço sempre que vou dar umas braçadas à piscina -à que chamam olímpica- pressenti uns soluços que a mulher sentada no banco ao lado não conseguia esconder (por muito que tentasse).
o que no início pareciam ser soluços coniventes com o movimento sempre solavancado, indeciso e cansado destes eléctricos tão viajados, doados não se sabe por que país depois da guerra, revelou-se uma tentativa de barrar um pranto que espero ter achado forma de se libertar mais tarde. o elemento denunciador foi o movimento inequívoco da mão direita, que pressionava de vez em quando as pálpebras, como se de um botão de snoozer lacrimal se tratasse.

não sei qual a razão do pranto desta mulher, que quanto mais silenciado, mais avassalador me parecia.

quis fazer um daqueles gestos nobres hollywoodescos, que resultam sempre nos filmes - pôr-lhe uma mão no ombro ou levemente no braço acompanhado pelo olhar, talvez até o sorriso do "vai-ficar-tudo-bem". imaginei que afinal já não iria sair na estação da piscina, mas que iria sair com ela, que reconfortá-la num ambiente mais arejado seria melhor. ao invés, apercebi-me minutos mais tarde, que eu mesma (entre pensamentos de não sejas ridícula, vais fazer pior, vá lá, faz qualquer coisa que se calhar o necessário aqui é a simplicidade de um gesto, não é da tua conta, nem penses!), também eu tentava desesperadamente não discordar com o dia solarengo e primaveril, também eu queria chorar, muito... e contava já desesperada as estações em falta para sair daquele sufoco.

saí e soube pela primeira vez que, não, não era a primeira vez que começava a chorar por esta razão: sarajevo tem um lado pesado, um lado que não quero contar, não por não querer admitir a sua existência, mas somente porque é pesado, seja pela herança da guerra, pela nostalgia, pela quantidade de gente que se passeia pelas ruas com armaduras de felicidade, ou até talvez porque tem daquelas coisas de sociedade patriarcal, conservadora e homofóbica à qual já não estou habituada, que tem resquícios do portugal que deixei há 6 anos atrás, quando fui enfeitiçada pelos pozinhos de berlim pim pim.

não sei qual a razão do pranto daquela mulher, mas para mim encerrava tudo isto.

se calhar até é melhor. se calhar até é melhor contar...
parece que chegou finalmente o momento paula, chegou a hora de começarmos a contar o que nos contam por aqui...

1 comentário:

  1. conta tudo isso e muito mais, se há coisa que a tua primita nova anda a aprender é que a simplicidade do contar nos alegra.

    beijinhos aqui do país pequeno à beira mar plantado ou enterrado

    rita

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