segunda-feira, 22 de junho de 2009

paula, uma boneca tuga no kid's festival

a ž levou-me ao kid's festival no último dia. esteve a trabalhar lá num workshop muito giro com crianças. como ela não tinha muito tempo para mim, estive a brincar com alguns deles e a pintar-lhes a cara.
a ž já me tinha falado dos stands da polícia e da eufor, onde no meio de carros militares, helícopteros e todo um arsenal e circo militar, as crianças podiam pegar em armas de fogo... confesso que mesmo estando mais que avisada não imaginava e não estava preparada para tal cenário. não compreendi muito bem, mas a ž lá me explicou que o maior patrocinador do evento é mesmo a eufor e que o estado não dá nem sequer o recinto do estádio olímpico!! ou seja, o único festival do género organizado em todo o país, sobrevive apenas através de patrocínios privados, ONGs e embaixadas de países estrangeiros. shame on you políticos da bósnia e herzegovina!

apesar disto, o festival reúne crianças de todas as etnias e regiões, traz artistas de vários países e distribui sorrisos.
infelizmente não tenho nenhuma fotografia do meu workshop, o meu tema era: espelho mágico, espelho meu, quem neste reino é mais boneca do que eu?? hihihi, estou a brincar!! a ž estava toda ocupada a tentar comunicar com a canalhada. eu acho que tive mais sucesso do que ela com as crianças, mas pronto, sou uma boneca, acho que para mim é mais fácil. ainda assim, acho que a ž lá se foi desenrascando apesar de ainda só arranhar o idioma cá da terra e não se saiu nada mal...

ah, esta é uma foto de duas das malucas que trabalharam com a ž, a tentar saltar do espelho! espelho mágico, espelho meu, quem neste reino é mais "ludi" do que eu...

não quero entender...

ne govorim... não sei falar... bósnio, sérvio ou croata. dependendo de onde te encontres neste país, melhor fazer uma pausa reticente e deixar que o interlocutor termine a frase, escolhendo o que melhor lhe aprouver. por aqui é assim, os bósnios "bosniaks" (tb conhecidos por bósnios muçulmanos) falam bósnio, os bósnios sérvios dizem que falam sérvio e os bósnios croatas terminam com "croata", ah... não falas croata... sim, não falo isso que acabas de dizer (diz o meu aceno de cabeça).
se conseguir chegar até ao final de outubro a saber minimamente este idioma juro que vou pôr os 3 no meu currículo!!
entretanto já me ensinaram a dizer: ne govorim naš... não falo a nossa... como não é a minha língua, lá vou dizendo às vezes, ne govorim vaš... não falo a vossa... normalmente riem do trocadilho. eu apenas quero tomar uma posição meio a brincar, meio a testar. mas ele há sítios onde não brinco nem testo... já vou sabendo com que linhas e agulhas se mutilam... sítios como estes, onde posters a desejar um feliz aniversário ao sr. karadzic são afixados. não são testes, não são brincadeiras... pura provocação!

segunda-feira, 15 de junho de 2009

kid's festival

nestes dias tenho trabalhado como voluntária num dos workshops do kid's festival, o maior evento realizado na bósnia e herzegovina para as crianças de todo o país...

de um lado os workshops de ong's e cooperações das diversas embaixadas, workshops por exemplo como o nosso, co-orgaanizado pela Tanzelarija e Save the Children Norway, em que tentamos passar a mensagem do respeito pela diferença, brincando ao "espelho mágico, espelho meu, que é mais .... do que eu?", no entanto não é "bela" ou "bonita" a palavra e conceito que desejamos transmitir... divididos em grupos, os pequenotes criam um personagem através de pintura facial, construção de chapéus ou penteados e um fato à maneira, e depois... espelho mágico, espelho meu, que é mais "punk", "sensível", "velho", "mágico", "natureza", etc... do que eu?!?

do outro lado, e ainda ninguém percebeu por que razão, um stand da polícia mantém um workshop onde não só são mostradas armas de fogo de vários calibres (algumas são mesmo enoooormes!!!) às crianças, como estas também são encorajadas a pegar nelas e a simular o seu uso!!

há coisas que de facto nem quero entender neste país...

quarta-feira, 10 de junho de 2009

sexta-feira, 5 de junho de 2009

amélia

o cadeirão vermelho a abanar todinho com os risos dela, depois a primeira fila, e no final até o papel de parede cor-de-vinho com motivos brancos era sacudido por essas risadas... talvez uma das poucas memórias colectivas do Outeiro... isto era nas festas de natal/ano novo alternadamente.

mas esta não é A fotografia que tenho dela... nessa fotografia estou eu e a minha irmã, ainda pequenitas, ainda de pijama, sentadas nos degraus da escada de madeira, ainda sem corrimão, aquelas que hoje ainda dão a subida para a sala, para o público e depois o palco... nessa fotografia estão as migalhas nos nossos pijamas junto com o olhar embevecido dela, ao nosso lado, ao lado das escadas, depois de se ter assegurado que ambas tínhamos lengalengueado certinho a oração do anjo da guarda... anjo da guarda, minha companhia, guardai a minha alma, de noite e de dia.

e foi há 16 anos que esta memória se tornou fotografia na minha cabeça...

terça-feira, 2 de junho de 2009

madalena




texto: Fernando Fonseca
fotos: ž



Estavam sempre ansiosos e húmidos os olhos de minha mãe, nesse dia que, na maior parte das vezes, acontecia na antevéspera do Natal.

Lembro-me que, nessa tarde, a minha mãe acendia cedo a fogueira donde brotava abundante fumarada, que logo envolvia chouriças, moiras, salpicões que pendiam do tecto de colmo e que só se esfumava através da pequena janela enegrecida, que minha mãe ora abria ora fechava em gestos impacientes, enquanto olhava ansiosamente o caminho que, sobranceiro à aldeia da Gralheira se perdia para lá da Lagoa de D. João.

Era por esse caminho que, sabe-se lá a que horas, o meu pai havia de regressar da azenha de azeite, em Barrô, nas margens do Douro, para onde tinha partido, há uns trinta dias ou mais e para onde voltaria novamente, passada a quadra do Natal.

Estivesse o tempo que estivesse, caída a noite, sempre a minha mãe imaginava o meu pai e o almocreve, Sr. Alexandre, perdidos nas quebradas da serra, acossados por lobos esfaimados ou por salteadores impiedosos ou então soterrados na neve, sem ninguém que lhes acudisse, por mais que gritassem por socorro.

Era então que, já com todos os meus irmãos reunidos à volta do lume que crepitava na lareira, a minha mãe nos obrigava a rezar todas as orações, que lhe vinham à memória, para proteger os viajantes, enquanto ia ajeitando a fogueira à volta da panela de ferro de três pernas.

Depois de longas horas de espera e mais longos suspiros, ouvia-se o rodar do fecho de madeira da porta de entrada, seguido de um chapinar pesado de botas pelo corredor escuro. Surgia então, da escuridão, a figura de meu pai, que, envolto em roupas enlameadas, mais parecia o "fantasma" a que os mais velhos recorriam, quando queriam assustar os mais novos.

-Então, meus marotos, como é que se diz? - ralhava minha mãe, enquanto, apressadamente, desfazia um tímido abraço que tinha trocado com o meu pai.

- Bote-nos as "banções", senhor pai! - respondíamos nós em coro.

Ainda o meu pai não tinha respondido "o Senhor vos abençoe", já os mais pequenos disparavam a pergunta que, há muito, guardavam: - Ó pai, trouxe as pinhas?

Respondia sempre que se tinha esquecido; mas, passado algum tempo lá nos entregava um saco de sarapilheira, todo cheio de buracos, por onde elas espreitavam brilhantes de magia e resina!

Depois de meu pai proceder a uma breve operação de limpeza e higiene pessoal, era servida a ceia melhorada, donde se destacavam as moiras, morcelas, ossos e costelas, que o meu pai partia, por entre queixas e lamúrias contra a fraca luz da candeia a petróleo, habituado que vinha à luz eléctrica na azenha onde trabalhara.

Acabada a ceia e enquanto se rezava o terço e a minha mãe lavava a loiça, colocávamos as pinhas ao lume para abrirem e, posteriormente, serem extraídos os pinhões. Inevitavelmente, surgiam conversas e discussões entre os mais novos, o que levava a tia Maria, cuja aspereza tinha o tamanho do seu afecto pelos sobrinhos, a vociferar: - Estes montes de merda não têm devoção nenhuma! - implicando, de seguida, com o meu pai, pelo facto de ter adormecido, mal começara a reza do terço.

- Estava, com os olhos fechados, a meditar nos mistérios do rosário! - justificava-se ele, acrescentando, mal humorado: - Além disso, não tens nada que estar a dar leis na casa dos outros!

Acabado o terço, apaziguados os ânimos e terminada a extracção dos pinhões, eram os mesmos rigorosamente distribuídos em partes iguais e metidos em saquinhas de amostras que as minhas irmãs mais velhas tinham confeccionado. Começava-se então a jogar ao "par e pernão" e também ao rapa, que eu tinha, toscamente, preparado de um pau de piorna verde.

Horas mais tarde, quando a noite já ia no dia seguinte e meu pai nos obrigava a ir para a cama, ainda estavam húmidos os meigos olhos de minha mãe.